É o benefício mais usado pelas empresas para valorizar funcionários sem mudar cargo formalmente. Parece simples e prático: você dá uma gratificação extra para quem assume mais responsabilidades, como coordenar uma equipe ou supervisionar processos. Não precisa alterar cargo no sistema, não precisa mudar documentação complexa, e aparentemente você pode dar e tirar quando achar necessário. Milhares de empresas brasileiras fazem isso todos os dias.
Mas esse “simples benefício” está gerando uma onda devastadora de processos trabalhistas que pode quebrar empresas despreparadas. O pior? A maioria dos empresários nem sabe que está fazendo errado. Gratificações concedidas informalmente, valores diferentes para mesmas funções, falta de documentação adequada, cada um desses erros comuns pode se transformar em um passivo trabalhista de R$ 200 mil ou mais. Neste artigo, vamos revelar os 5 erros mortais que empresas cometem com gratificação por função e, principalmente, como você pode regularizar sua situação antes que vire processo judicial.
Índice
O Que É Gratificação Por Função (E Por Que 90% Faz Errado)
A gratificação por função é um adicional salarial pago ao funcionário que assume responsabilidades extras sem mudar oficialmente de cargo. Na prática, significa que aquele auxiliar administrativo passa a coordenar a equipe, ou o vendedor assume funções de supervisão, mas continua registrado com o cargo original na carteira de trabalho.
A ideia por trás desse benefício é legítima: permite que a empresa valorize colaboradores que assumem mais responsabilidades sem passar por toda a burocracia de uma promoção formal. Você não precisa alterar o CBO (Código Brasileiro de Ocupações), não precisa reorganizar o organograma completo e, teoricamente, mantém flexibilidade para ajustar conforme as necessidades do negócio mudam.
Para o empresário, especialmente de pequenas e médias empresas, isso parece a solução perfeita. É mais rápido que uma promoção formal, mais flexível que criar um novo cargo e aparentemente mais barato que reestruturar a folha de pagamento. Por isso, tornou-se o método preferido de reconhecimento e valorização em milhares de empresas brasileiras.
O grande problema é que 90% das empresas implementam gratificação por função de forma completamente irregular, criando passivos trabalhistas monumentais sem perceber. A informalidade é a regra: combinados verbais, anotações soltas no contracheque, mensagens de WhatsApp confirmando o valor, mas nenhuma formalização adequada que proteja a empresa juridicamente.
Essa falta de procedimento correto transforma um benefício legítimo em uma bomba-relógio trabalhista. Quando o funcionário se desliga ou quando a empresa precisa retirar a gratificação, descobre que não tem documentação adequada para comprovar a natureza temporária do pagamento. E na Justiça do Trabalho, quem não prova sua versão perde, e normalmente quem perde é a empresa.
Os 5 Erros Mortais da Gratificação Por Função
Erro #1: Não Formalizar no Contrato
O erro mais comum e mais perigoso é conceder gratificação por função baseado apenas em conversa verbal ou mensagens informais. O cenário típico é este: o gestor chama o funcionário e diz “a partir de hoje você vai coordenar a equipe e ganhar R$ 800 a mais no salário”. O funcionário aceita, o valor aparece no contracheque como “gratificação” e todos seguem em frente achando que está tudo certo.
O problema surge quando a empresa precisa retirar essa gratificação ou quando o funcionário se desliga. Sem documentação formal, ele pode alegar na Justiça do Trabalho que aquele valor era parte permanente do salário, não uma gratificação temporária vinculada a funções específicas. E o ônus da prova de que era “salário-condição” (pode ser retirado) recai sobre a empresa.
A lei trabalhista exige aditivo contratual específico detalhando qual função adicional está sendo exercida, o valor exato da gratificação, a natureza temporária e condicional do pagamento, e as condições sob as quais pode ser retirada. Sem esse documento, você está juridicamente vulnerável.
Erro #2: Não Separar no Contracheque
Muitas empresas pagam a gratificação mas não discriminam adequadamente no contracheque. O valor aparece misturado com o salário base ou com descrições vagas como “adicional” ou “bonificação”, sem especificar claramente que se trata de gratificação por função específica.
Essa falta de separação clara cria um problema jurídico sério: se não está explicitamente identificado como “Gratificação por Função” com a descrição da função exercida, o juiz trabalhista pode considerar que aquele valor se incorporou ao salário fixo e não pode mais ser retirado.
A forma correta é discriminar claramente no contracheque: “Salário Base: R$ 3.000,00” e em linha separada “Gratificação por Função (Coordenação de Equipe): R$ 800,00”. Essa separação visual e textual é fundamental para comprovar a natureza condicional do pagamento.
Erro #3: Valores Diferentes Para Mesma Função
Uma situação extremamente comum e perigosamente irregular: João coordena a equipe de vendas e recebe R$ 1.000 de gratificação, enquanto Maria também coordena equipe de vendas mas recebe apenas R$ 600. Ambos exercem a mesma função, têm responsabilidades similares, mas recebem valores diferentes sem critério objetivo documentado.
Isso viola o princípio da equiparação salarial previsto no artigo 461 da CLT. Maria pode processar a empresa pleiteando igualdade de tratamento e receber retroativamente as diferenças desde o início da divergência, acrescidas de todos os reflexos trabalhistas.
As únicas exceções legalmente aceitas são: diferenças justificadas por plano de cargos e salários formalizado, quadro de carreira com critérios objetivos documentados, tempo de experiência comprovadamente diferente ou produtividade mensuravelmente superior. Sem essa documentação, você está criando passivo certo.
Erro #4: Confundir Regras Antigas Com Atuais
Muitos empresários ainda acreditam que se pagarem gratificação por mais de 10 anos, ela se incorpora definitivamente ao salário e não pode mais ser retirada. Essa regra realmente existia antes da Reforma Trabalhista de 2017 (Súmula 372 do TST), mas não é mais válida.
Com a alteração do artigo 468, §2º da CLT pela Reforma Trabalhista, a gratificação pode ser retirada mesmo após 10 anos, desde que o funcionário retorne ao cargo original sem as funções extras que justificavam o pagamento adicional.
No entanto, isso não significa que você pode retirar arbitrariamente. Ainda é necessário haver motivo real e documentado: cessamento efetivo da função gratificada, reestruturação organizacional comprovada ou retorno do funcionário às atribuições originais. A retirada precisa ser justificada e formalizada.
Erro #5: Confundir Com Gratificação Por Tempo de Serviço
Gratificação por função e gratificação por tempo de serviço são institutos completamente diferentes com tratamentos jurídicos opostos. A gratificação por função é paga enquanto o funcionário exerce função específica e pode ser retirada quando cessar essa função.
Já a gratificação por tempo de serviço (quinquênios, anuênios) é paga pelo tempo de permanência na empresa e não pode ser retirada, incorporando-se definitivamente ao salário.
O erro fatal é chamar de “gratificação por função” algo que na prática é reconhecimento por tempo de casa. Se você paga um adicional “pela experiência” ou “pelos anos de dedicação”, isso é gratificação por tempo, não por função, e terá tratamento jurídico completamente diferente.
Os valores envolvidos em processos trabalhistas relacionados a gratificação por função mal documentada podem ser devastadores para pequenas e médias empresas. Vamos trabalhar com um exemplo real para dimensionar o tamanho do problema financeiro que você pode estar criando sem perceber.
Situação Hipotética (Mas Muito Comum): Um funcionário recebeu R$ 800 mensais de gratificação por função durante 5 anos. A empresa nunca formalizou adequadamente esse pagamento através de aditivo contratual. Quando a empresa precisou reestruturar e retirou a gratificação sem justificativa documentada, o funcionário entrou com processo trabalhista pedindo a incorporação definitiva do valor ao salário.
Cálculo do Passivo Trabalhista:
Gratificação mensal não paga (após retirada irregular): R$ 800 Período reclamado: 5 anos = 60 meses Total básico em diferenças salariais: R$ 48.000
Mas o problema não para aí. Sobre esse valor incidem todos os reflexos trabalhistas:
- 13º salário (5 anos): R$ 4.000
- Férias + 1/3 constitucional (5 anos): R$ 5.330
- FGTS + multa de 40% sobre todo o período: R$ 7.560
- Diferenças salariais do período após retirada irregular: variável conforme tempo
Total estimado do risco para esse único funcionário: R$ 65.000 a R$ 90.000
Adicione a isso honorários advocatícios (geralmente 20% do valor da condenação), custas processuais e o tempo gasto em audiências. O custo real pode facilmente ultrapassar R$ 100.000 para um único caso.
A Multiplicação do Desastre:
Se você tem 10 funcionários em situação irregular com gratificação por função, está sentado em cima de um passivo potencial de R$ 650.000 a R$ 900.000. Para uma pequena ou média empresa, isso pode significar a diferença entre crescimento sustentável e falência.
Compare esses números com o custo de regularização adequada: alguns milhares de reais em consultoria especializada, elaboração de contratos corretos e formalização das gratificações existentes. A matemática é brutal: prevenir custa 5% do que remediar depois do processo instaurado.
Como Implementar Gratificação Por Função Corretamente
A implementação correta de gratificação por função não é complicada, mas exige disciplina e documentação adequada. Seguindo esses passos, você transforma um risco trabalhista em uma ferramenta legítima de gestão de pessoas.
Passo 1: Formalização Adequada
Antes de pagar qualquer gratificação por função, você precisa de três documentos fundamentais:
Aditivo Contratual especificando:
- Descrição detalhada da função adicional que está sendo assumida
- Valor exato da gratificação e forma de pagamento
- Caráter temporário e condicional do benefício
- Condições específicas para cessamento (quando a função deixar de ser exercida)
Descrição Detalhada das Atribuições incluindo:
- O que exatamente o funcionário fará de diferente do cargo original
- Quantas pessoas coordenará (se for função de coordenação/supervisão)
- Responsabilidades extras assumidas e seus limites
- Diferenciação clara entre atribuições do cargo base e da função gratificada
Termo de Ciência assinado pelo funcionário confirmando:
- Entendimento completo da natureza temporária da gratificação
- Ciência de que pode ser retirada ao cessar a função
- Concordância com os termos estabelecidos
Passo 2: Gestão do Contracheque
A discriminação no contracheque precisa ser cristalina. Nada de valores genéricos ou descrições vagas. O formato correto é:
Vencimentos:
- Salário Base: R$ 3.500,00
- Gratificação por Função (Coordenação Equipe Vendas): R$ 1.000,00
Descontos:
- INSS (calculado sobre o total)
- IRRF (calculado sobre o total)
Essa separação visual e textual permite que qualquer pessoa, incluindo um juiz trabalhista, identifique imediatamente que aquele valor é condicional e vinculado a função específica, não parte do salário base.
Passo 3: Critérios Objetivos
Se você tem múltiplos funcionários recebendo gratificação por função, especialmente para funções similares, é fundamental estabelecer critérios objetivos documentados que justifiquem eventuais diferenças de valores:
- Crie plano de cargos e salários formalizado
- Estabeleça critérios claros de valoração (tempo de experiência, complexidade, número de subordinados)
- Documente porque valores são diferentes entre funções similares
- Mantenha coerência nas decisões ao longo do tempo
Passo 4: Processo de Retirada Seguro
Quando for necessário retirar uma gratificação por função, siga este protocolo para minimizar riscos:
Justificativa Clara e Documentada:
- Função deixou de existir por reestruturação
- Redução de equipe eliminou necessidade da coordenação
- Funcionário solicitou retorno ao cargo original
- Mudança no modelo de negócio eliminou a função
Comunicação Formal:
- Notificação por escrito com no mínimo 30 dias de antecedência
- Explicação detalhada do motivo
- Data específica de cessamento da gratificação
- Confirmação de retorno às atribuições originais
Retirada Gradual (Altamente Recomendado): Em vez de cortar 100% da gratificação de uma vez, considere redução progressiva em 2-3 meses. Isso minimiza impacto no orçamento do funcionário e reduz significativamente o risco de conflitos judiciais.
Como Regularizar Gratificações Antigas
Se você identificou que tem gratificações concedidas de forma irregular no passado, ainda há tempo para regularizar antes que vire processo trabalhista. Existem três abordagens principais, cada uma com vantagens e desvantagens específicas.
Opção 1: Regularização Retroativa
Elabore agora os aditivos contratuais que deveriam ter sido feitos quando a gratificação foi concedida. Use data retroativa com anuência expressa do funcionário, formalizando todos os elementos que faltavam: descrição da função, natureza temporária do pagamento e condições para cessamento.
Vantagens: Mantém a gratificação ativa, corrige a vulnerabilidade jurídica e custa relativamente pouco (apenas consultoria e documentação).
Desvantagens: Requer concordância do funcionário, que pode usar essa oportunidade para negociar condições ou questionar valores. Alguns advogados trabalhistas questionam a validade de retroatividade.
Opção 2: Novo Acordo com Recomeço
Cancele formalmente a gratificação antiga (aquela sem documentação adequada) e crie imediatamente nova gratificação com valor idêntico, mas agora com toda a formalização correta: aditivo contratual, descrição de função, termo de ciência.
Vantagens: Elimina completamente a vulnerabilidade da gratificação antiga e cria documentação nova e impecável para seguir em frente.
Desvantagens: Período sem documentação (entre cancelamento e nova concessão) pode ser questionado. Funcionário pode interpretar como tentativa de prejudicá-lo.
Opção 3: Incorporação Negociada
Para gratificações pagas há muito tempo sem qualquer controle ou documentação, considere negociar incorporação definitiva ao salário base. Isso elimina de vez o risco de processo futuro, embora aumente permanentemente os custos da folha.
Vantagens: Resolve definitivamente o problema, elimina risco de litígio futuro e pode melhorar relacionamento com funcionário valorizado.
Desvantagens: Aumenta permanentemente custos trabalhistas (salário base maior gera encargos maiores) e perde flexibilidade de ajuste futuro.
Priorização da Regularização:
Se você tem múltiplas gratificações irregulares, priorize a regularização seguindo estes critérios:
- Gratificações mais antigas (maior acúmulo de passivo)
- Valores mais altos (maior risco financeiro)
- Funcionários com histórico de conflitos (maior probabilidade de processo)
- Funções que podem ser eliminadas em breve (urgência de formalização antes da retirada)
Regularize Agora ou Pague Depois: A Escolha é Sua
A gratificação por função é uma ferramenta legítima e eficaz de gestão de pessoas quando implementada corretamente. O problema não está no benefício em si, mas na forma amadora e irregular com que 90% das empresas o utilizam. Como demonstrado ao longo deste artigo, a falta de formalização adequada, contracheques mal discriminados, valores desiguais sem critério e confusão sobre regras legais transformam um benefício simples em passivos trabalhistas que podem facilmente ultrapassar R$ 200 mil.
A matemática é brutal mas clara: regularizar todas as suas gratificações custa alguns milhares de reais em consultoria e documentação adequada, enquanto processos trabalhistas custam centenas de milhares. A escolha entre prevenir agora ou remediar depois de instaurado o litígio não deveria ser difícil. Nosso escritório está preparado para auxiliar na regularização completa das gratificações da sua empresa, oferecendo não apenas conformidade legal mas estratégias para transformar esse risco invisível em ferramenta segura de valorização profissional.